segunda-feira, junho 14

a personagem que me habita

O assombroso do seu instinto simplificador era que quanto mais se desembaraçava da moda procurando a comodidade e quanto mais passava por cima dos convencionalismos em obediência à espontaneidade, mais perturbadora ficava a sua beleza inacreditável e mais provocante o seu comportamento para com os homens. (...)
Apesar de o coronel Aureliano Buendía continuar a acreditar e a repetir que Remédios, a bela, era, de facto, o ser mais lúcido que jamais conhecera e que o demonstrava a todo o momento com a sua assombrosa habilidade para fazer pouco de toda a gente, abandonaram-na ao deus-dará.
Remédios, a bela, ficou a vaguear pelo deserto da solidão, sem cruzes às costas, amadurecendo nos seus sonhos sem pesadelos, nos seus banhos intermináveis, nas suas refeições sem horários, nos seus profundos e prolongados silêncios sem recordações, até uma tarde de Março em que Fernanda quis dobrar no jardim os seus lençóis de barbante e pediu a ajuda das mulheres da casa. Mal tinham começado quando Amaranta reparou que Remédios, a bela, estava transparente, com uma palidez intensa.
—Sentes-te mal?—perguntou-lhe.
Remédios, a bela, que segurava o lençol pela outra ponta, fez um sorriso magoado.
—Pelo contrário—disse—, nunca me senti tão bem.
Palavras não eram ditas e Fernanda sentiu que um delicado vento de luz lhe arrancou os lençóis das mãos e desdobrou-os em toda a sua amplitude. Amaranta sentiu um tremor misterioso nas rendas dos seus saiotes e tentou agarrar-se ao lençol para não cair, no momento em que Remédios, a bela, começava a elevar-se. Úrsula, já quase cega, foi a única que teve a serenidade para identificar a natureza daquele vento irreparável e deixou os lençóis à mercê da luz ao ver Remédios, a bela, que lhe dizia adeus com a mão, entre o deslumbrante adejo dos lençóis que subiam com ela, que abandonavam com ela o ar dos escaravelhos e das dálias, e passavam com ela através do ar onde acabavam as quatro da tarde e se perderam com ela para sempre nos altos ares onde não podiam alcançá-la nem os mais altos pássaros da memória.

(Gabriel García Márquez, in Cem Anos de Solidão, traduzido por Margarida Santiago)

visagem


o moço me olha atento
e faz de mim uma imagem de névoa

o moço já não enxerga detalhes
mas viu meus ancestrais do deserto
e a personagem de romance que me habita

damo-nos as mãos e passeamos no escuro

quarta-feira, junho 9

sem dramas, sem dramas...

ele está em mim.

porque que a gente é assim????

Todas as mulheres do mundo

obs: em coitada leia doida

Elas querem é poder!

Mães assassinas, filhas de Maria
Polícias femininas, nazijudias
Gatas gatunas, kengas no cio
Esposas drogadas, tadinhas, mal pagas

Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz

Garotas de Ipanema, minas de Minas
Loiras, morenas, messalinas
Santas sinistras, ministras malvadas
Imeldas, Evitas, Beneditas estupradas

Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz

Paquitas de paquete, Xuxas em crise
Macacas de auditório,velhas atrizes
Patroas babacas, empregadas mandonas
Madonnas na cama, Dianas corneadas

Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz

Socialites plebéias, rainhas decadentes
Manecas alcéias, enfermeiras doentes
Madrastas malditas, superhomem sapatas
Irmãs La Dulce beaidetificadas

Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz


mais um pouco de Leila em:
http://www.youtube.com/watch?v=PQVCDCBDYuI


(créditos para Rita Lee)

quinta-feira, junho 3

viagem

vou me pondo na bagagem
imaginando um futuro doce

vou partindo desde ontem
lembrando passados ácidos

vou descobrindo a beleza do amargo
no caminho das raízes

quem, então?...
sois o sal da terra?